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Além da fronteira

A moça toca novamente o copo de cerveja gelada. Ele já esteve nesse bar outras vezes, mas nunca reparou como o ambiente era tão bonito. Tudo tão limpo, arrumado, brilhante… As pessoas que o frequentam são bem arrumadas e amáveis. Poderia ser amiga íntima de qualquer uma delas. Gostaria de ser. A vida é linda, plena e tudo faz sentido. Um súbito êxtase aguça involuntariamente ainda mais todos os seus sentidos, o que a deixou até preocupada. Quando ele chegar, não aja como no último encontro com aquele outro rapaz – pensou ela. Seja menos… animada. Menos alegre. Você é uma gata, inteligente, tem presença. Claro que todos aqui notaram. Se não fosse assim, um cara tão descolado como ele não teria topado esse encontro. Enquanto se aconselhava em pensamentos, olhou novamente o relógio. Tudo bem que é normal chegar atrasado, mas SETE minutos? Então teve a ideia de lhe mandar uma mensagem. Não obteve resposta. Deu um sorriso sem graça para outras pessoas na mesa ao lado, mas ninguém estava olhando. Resolveu ligar, mas o celular dele estava desligado.

O celular estava desligado.

Tomou de um gole a cerveja amarga. Levantou-se para pagar a conta. Era ÓBVIO que ele não apareceria. Desligou de propósito pra idiota aqui não ENCHER O SACO. É claro! Quem iria querer sair com uma imbecil dessas? Uma OTÁRIA que teve a ousadia de chamar um dos caras mais bonitos da faculdade pra sair depois de conhecê-lo pela primeira vez. Isso é o que você MERECE. Com certeza ele está com alguma namorada, rindo MUITO às suas custas. Ela tropeça em uma cadeira ao tentar sair e bate forte com a coxa em uma outra mesa. Desculpa. Um oceano de mal-estar lhe invadiu. Sente vontade de se cortar. Tentou andar mais rápido para escapar da vergonha e angústia, mas sem sucesso. A vida não vale a pena.

Você já sentiu ou conhece alguém em uma situação parecida com essa? Hoje falaremos sobre o borderline.

Borderline, ou transtorno de personalidade limítrofe, não é doença. É uma atitude, uma maneira. Um desvio de conduta do que consideramos normal. Uma predisposição para agir de forma totalmente apaixonada e impulsiva, deixando seu lado racional totalmente em segundo plano. Ou em algum lugar inferior.

Mas o que causa esse transtorno? São vários os motivos, e a maioria se inicia na fase adolescente, mas não são raros os casos na infância quando a criança não consegue aceitar a separação dos pais, muito menos situações de violência física e abuso sexual. Rejeição ou falta de amigos na escola. Morte de um ente querido na família. Alguém com predisposição para desenvolver uma personalidade limítrofe tem uma dificuldade acima do comum em lidar com frustração e isso forma uma barreira no amadurecimento de sua afetividade.

Os sintomas desse transtorno são notáveis principalmente pela instabilidade emocional. Um borderline pode te amar e te odiar no mesmo dia. Ele pode passar de um estado de euforia para a mais desolada depressão em tão pouco tempo que qualquer pessoa que conviva com ele não se cansa de se surpreender, não importa quantas vezes veja isso acontecer. Há também um medo real ou imaginário de ser abandonado. Por isso ele está constantemente brigando com pessoas de que gosta para que fiquem ao seu lado, na maioria das vezes com um ciúme incontrolável. Às vezes esse medo é tão grande que o paciente opta por abandonar primeiro, isolando-se de tudo e todos. Mas além de ser rara essa atitude, ela não se prolonga: o sentimento de vazio que eles sentem é absolutamente terrível, pois tudo o que sentem é bem maior do que qualquer outra pessoa que não tem esse transtorno. Por isso procuram preencher esse vazio desesperadamente com a companhia de outras pessoas. Confuso, não?! Bem-vindo ao universo do borderline.

Mas se esse transtorno é tão complexo, como fazer para resolver essa situação?

Bem, em primeiro lugar, precisamos ter em mente que a esmagadora maioria das pessoas que sofrem desse transtorno são pessoas muito inteligentes. Sua criatividade e capacidade de comunicação estão, às vezes, acima da média. Então é preciso entender que pessoas desse nível têm muita dificuldade em aceitar que outras pessoas lhes digam o que fazer, mesmo que essas pessoas sejam psiquiatras competentes e responsáveis com muitos anos de experiência. Então aqui vão algumas dicas:

– confie no seu psiquiatra! Ele sabe o que está fazendo e tentará de todas as formas diminuir os sintomas ao tamanho mínimo possível. E sim, ele quer o teu bem. Qual seria o motivo para não acreditar nisso?

– não pare o tratamento! Jamais! Em hipótese alguma.

– quando você estiver muito triste, achando que ninguém se importa com você, lembre-se: evite ao máximo ficar só. Procure estar perto de pessoas que você gosta e confia. Converse com essas pessoas, não apenas sobre o que você está sentindo, mas sobre o que você quiser.

– eu não sei se fui bem claro, então aqui vai novamente: NÃO PARE O TRATAMENTO!

Um rapaz alto entra apressadamente no bar, olhando para as mesas e para as paredes como se buscasse por algo ou por alguém. Vai até o balcão e mostra para o garçom seu celular conectado ao carregador:

 — A bateria morreu total, irmão. Pode carregar aí?

Em seguida, volta os olhos para o interior do bar, procurando pela moça em vão.