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Brilho nos olhos
O homem nasce totalmente dependente. Vive e morre em comunidade. Desde os primórdios o apoio em grupo era essencial para guerrear, caçar, habitar, comer e contar histórias. E a convivência oferecia um crescimento saudável, diversão e proteção. Mas desde que passamos a não depender mais somente do fogo para nos iluminar, o homem tem procurado sua luz própria de forma cada vez mais individual. A lâmpada elétrica incandesceu as noites e diminuiu os tropeços. E os nossos passos se tornaram velozes e correram em uma corrente de tamanha energia que alternou para sempre a idade das trevas ao caminho do conhecimento. E esse caminho nos trouxe à era da informação.
Eu sei, no meio de tanta ignorância, parece ironia dizer que estamos na era da informação. Mas estamos. E a informação se dá de forma fácil, robusta e imposta. Nos informamos até quando não queremos. Sua fartura é tanta que a ciência não tem sido tanto uma ferramenta de aprendizagem, mas de entretenimento. A luz do conhecimento se transmutou no brilho das TVs, videogames, computadores e celulares. Esses aparelhos seduzem o homem com a mesma efetividade de uma lâmpada em uma mariposa, e o resultado desse choque está na obesidade mental, egocentrismo e solidão.
Quem diria que poderíamos encontrar a salvação, mesmo que por poucos minutos, em inesperados apagões? Sim, pois quando a eletricidade acaba e as telas perdem sua luz, procuramos desesperadamente por brilho em outros olhos. É quando os laços da interação humana se apertam e nos sentimos satisfeitos, equilibrados, e as coisas parecem estar do jeito que deveriam ser. Tão boas e plenas que nenhum pensamento questiona: “poderia isso um dia acabar?”
O lockdown
O mundo moderno enfrentou recentemente diversos tipos de vírus, mas nunca sofreu um impacto emocional tão grande quanto o deste ano. Maior do que a pandemia tem sido a onda de depressão, ansiedade e síndromes que continua crescendo assustadoramente. Claro, o coronavírus é um perigo por ser um vírus novo. Devemos cuidar de todos, principalmente dos mais velhos, mas se quisermos entender o atual fenômeno psíquico, precisamos lembrar que já enfrentamos vírus mais fortes. Pessoas sempre morreram por diversas doenças e a civilização nunca entrou em desespero por isso. A dengue até hoje mata muito mais do que qualquer outro vírus e os sobreviventes sempre seguiram com suas vidas. Então a que se deve tanta comoção atual?
Ao confinamento. Estivemos afastados de nossos amigos, colegas de trabalho e até mesmo de parentes (mesmo estando na mesma casa), nos concentrando em telas iluminadas que nos preenchem de polêmica e medo.
Há poucas semanas, uma senhora chorava em meu consultório com dor de cabeça. Não dormia direito havia cerca de dois meses. Entre várias perguntas, consegui descobrir que isso começara desde o momento em que ela voltou a assistir o noticiário. “Doutor, nós vamos MORRER. Não vai sobrar NINGUÉM. Eu vejo hospital lotado todos os dias. Tem paciente até nos corredores…” – Sem dizer nada, eu abri meu notebook e procurei por algumas notícias. Escolhi logo uma reportagem com uma foto enorme do interior de um hospital repleto de pacientes e lhe mostrei: “É esse tipo de notícia que a senhora tem visto?” – Ela arregalou os olhos: “É isso mesmo! Ai meu Deus, onde é que nós vamos parar?” – Então perguntei novamente: “Sabe de quando é essa notícia? – ao me olhar sem saber o que dizer, eu mesmo respondi: “2009”. Mostrei uma outra reportagem sobre hospitais cheios: “Essa é de 2010… Essa é de 2013… E essa é de 2017…” – Notei que subitamente sua tristeza virou curiosidade, ao que continuei falando. “Desde que eu me entendo por gente, eu sei de três coisas: hospitais lotam, políticos mentem e a imprensa sensacionaliza.”
Tanto em minhas consultas presenciais quanto online eu tenho recebido muitas pessoas deprimidas devido ao lockdown. Obviamente, cada caso trato de forma personalizada, mas há vários pareceres que posso estender a todos:
O ócio é seu inimigo – aproveite o tempo para fazer exercícios, aprender uma língua diferente, etc. Essa é uma boa oportunidade pra colocar a leitura em dia. “Mente vazia é oficina do diabo.”
Você não virou vampiro – não precisa se esconder do sol com portas e janelas trancadas. Pelo contrário, a vitamina D fortalece o sistema imunológico, assim como manter a casa arejada.
O amor pode miar – ou latir. Brinque mais com seus animais de estimação, ao mesmo tempo em que ensina suas crianças a amá-las e respeitá-las. Eles são uma fonte inesgotável de alegria.
Enfim, se cuidem! Mas… Acalmem-se! O pânico pode levar desnecessariamente a uma tragédia. Além da higiene diária, nessa época em que estamos vivendo você precisa usar máscara, mas com cuidado para não respirar por muito tempo a própria ansiedade porque ela te sufoca. Precisa também de álcool em gel, mas não esqueça que você pode tocar o outro de várias formas além da física. E tão importante quanto: pare de olhar o tempo todo para esses aparelhos reluzentes e preste mais atenção nos seus amigos e na sua família! Sua saúde mental agradece.