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Festa em família
O portão se encontrava destrancado, mas Rodrigo permaneceu na calçada. A vizinhança estava toda enfeitada para o Natal e ele se forçou a admirar a rua. O barulho das festas e do som confuso de várias músicas natalinas distintas o fizeram querer entrar novamente no carro e ir embora, o que é contrastante, pois Rodrigo ama festas e música natalina. Permaneceu onde estava. Vultos no primeiro e segundo pavimento do triplex indicam que a festa havia atraído mais parentes do que ele desejava ver. A vontade de ir embora aumentou.
Mas ele não poderia ir embora. Seus pais o fizeram prometer que ele participaria da festa com a família e ele não queria decepcioná-los. “Ah, vamos logo com isso”– pensou. Empurrou o portão lentamente e com muito mais força do que precisava. Seus passos estavam pesadíssimos, como se houvesse grandes bolas de ferro em seus pés. Quando chegou perto da porta de entrada, a mesma se abriu diante dele. Seu estômago embrulhou ao ver um homem tão alto quanto ele sair e fechar a porta por trás de si. Atrás dos óculos, os olhos desse homem se fixaram tensamente em Rodrigo. Condoído de repulsa, Rodrigo devolveu o olhar gelado.
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O fim de ano é uma época para reflexão. É a oportunidade ideal para averiguar se todas as metas e objetivos traçados no ano passado foram conquistados. Fez um bom investimento ou só guardou dinheiro? Foi promovido ou só preservou o emprego? Fez novas amizades ou pelo menos não brigou com ninguém? Afinal, 2020 foi um ano difícil e… Diferente.
Fomos surpreendidos por circunstâncias incomuns e assustadoras, e só seremos capazes de mensurar o tamanho do abalo em nosso emocional daqui a alguns anos. Mas, sim, já podemos dizer que nossa ansiedade e estresse aumentaram significativamente. Nossas opiniões se dividiram e nossas falas se excederam.
Mesmo envoltos em situações inesperadas, precisamos manter a calma. Discussões que fogem do controle podem gerar impactos profundos nas nossas relações. Portanto, amadurecer nossas ideias, assim como nosso comportamento, é a chave para o nosso bem-estar e evolução pessoal, dois atributos que são desenvolvidos muito melhor junto de parentes e amigos. Com uma convivência pacífica e harmoniosa, cresce dentro de todos um sentimento de alegria e segurança. Tudo o que fazemos, quando estamos em família, fazemos melhor.
Mas o que fazer para não deixarmos que discussões vazias prejudiquem a harmonia da convivência familiar e fraterna?
– Se uma pessoa pensa diferente de você, não significa que ela te odeia. Saber ouvir e respeitar uma opinião é sinal de amadurecimento pessoal e até mesmo fortalece os laços quando esse respeito é recíproco.
– Não se esqueçam que a vida é curta. Fuja de fofocas, intrigas e discussões tolas. Aproveite e viva intensamente cada momento com entes queridos, pois, no final, isso é tudo o que importa.
– Raiva e mágoa são sentimentos que prejudicam fisicamente o seu corpo, pois são uma forma triste de passar a vida. Sua delonga pode causar fortes dores de cabeça, gastrite, artrite, taquicardia e até mesmo hipertensão. Guardar rancor de alguém é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra.
– Existem pesquisas altamente relevantes ao redor do mundo sobre os benefícios do perdão. O benefício de relevar ofensas não se estende apenas para a saúde física, mas principalmente mental. Pesquisadores de diversas nacionalidades garantem que quem não perdoa tem muito mais propensão ao aumento do estresse, acarretando num aumento expressivo de sintomas de ansiedade, depressão e até mesmo neurose.
– Perdoar não significa esquecer. Se você tem bons motivos pra acreditar que a pessoa que te feriu não mudou e há uma alta probabilidade de que ela possa te ofender novamente (a relação é uma via de mão dupla, quando você não perdoa você não libera a pessoa para ser quem é, você fica preso aquele que te ofendeu), eu não recomendo uma reconciliação. Não há necessidade de um novo embate, principalmente se você ainda não está emocionalmente maduro pra isso. Mas perdoe! Procure pensar nas limitações dessa pessoa e nos motivos que a fazem agir de tal forma. Não existe forma mais fácil de limpar seu coração de tanta mágoa.
– agradecer pode ser muito mais benéfico do que você imagina. O diário da gratidão é uma técnica cientificamente comprovada e consiste em escrever três motivos para agradecer. Leva cerca de um minuto e, bem, você vai me agradecer por isso.
Que você possa celebrar este Natal com o seu coração leve e, se possível, junto de todos os seus familiares!
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Sem saber o que fazer, Rodrigo olha para o chão. O homem de óculos quebra o gelo: “Primão, como vão as coisas?… Eu estava ali em cima e te vi entrando…” – Rodrigo consegue apenas dizer algo: “Carlos…” – Mas é interrompido: “Você tá bravo, ok! Se eu estivesse no teu lugar, também não falaria comigo. Eu errei naquele dia, mas pelo amor de Deus, eu estava BÊBADO. Se não tivessem filmado e me mostrado no dia seguinte eu não teria acreditado, pois não me lembrava de NADA.”
Encabulado, Rodrigo temeu que mais alguém pudesse ouvir aquela conversa. Carlos continuou: “É muito fácil aprontar e depois pedir desculpas, mas mesmo assim eu vim aqui pedir perdão. Se você não quiser mais olhar na minha cara…” – dessa vez Rodrigo interrompeu: “Primo, do jeito que você é feio, NINGUÉM quer olhar na tua cara.”
Carlos fica confuso por um segundo, mas logo ambos começam a gargalhar, e se abraçam fraternalmente. Se encaminham para a festa, mas antes de entrar, Rodrigo diz: “Bora aproveitar hoje, mas sem bebidas pra você, viu?! Sabe como é… Uma vez cachaceiro…” – Carlos o empurra para dentro dos arbustos e entra tranquilamente em casa. Rodrigo se levanta cuspindo folhas e grama, gritando: “VOCÊ ME PAGA, SEU…!!!” – e corre pra dentro da casa.
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